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- “Eu não quero mais me tratar assim”: um manifesto de autocompaixão
“Eu não quero mais me tratar assim.” Sim, eu disse isso — e foi um momento bonito de autocompaixão. Sobre corpo, espelhos, pensamentos e autocompaixão. Já aviso que este texto contém um assunto sensível e uma boa dose de vulnerabilidade. Desde que me entendo por gente, tenho questões com o meu corpo. Demorei para entender que eu poderia ser amada e respeitada, independentemente do tamanho dele. E às vezes, eu mesma me pego me desrespeitando. Nosso presente é cheio de rastros do passado, e parece que alguns pensamentos automáticos vêm direto da Laura criança ou adolescente. Vou contextualizar. Um dia, eu estava no pilates, em um aparelho que não gosto muito — e que fica bem em frente ao espelho. Não sei se não gosto dele por isso ou apesar disso . Durante um exercício de mobilização, eu observava no espelho minha coluna formando um “C” e encarava minha barriga ficando redondinha embaixo das minhas mãos. Como isso me incomodou! Minha professora me perguntou se eu estava com alguma dor, e me dei conta de que eu estava com “cara de dor”. Respondi: “estou com dor nos olhos de olhar minha barriga no espelho”. Ela, super empática, me disse: “Ah, Laura, por que a gente é assim?!”, se incluindo na autocrítica. E eu, surpreendentemente, disse: “Sabe de uma coisa? A gente é assim porque foi isso que a gente aprendeu a vida inteira. Mas eu não quero mais ser tão dura comigo mesma.” Pensei o quanto eu estava sendo violenta comigo, e com tantas outras mulheres, por conta desse pensamento gordofóbico que cresceu como um vírus de computador na minha mente. Lembrei o quanto é difícil receber qualquer tipo de comentário — negativo ou mesmo positivo — sobre o meu corpo. Mesmo não estando confortável com ele, reconheço que é meu, e que me permite tanta coisa, inclusive experimentar prazer! Ouvi num podcast que, às vezes, a gente aniquila o corpo, existindo apenas do pescoço pra cima, no mental. Achei forte a palavra “aniquilar”. Mas fez tanto sentido! É mais uma forma de esquiva experiencial, como falamos na ACT. Uma forma de evitar experiências dolorosas. Meu corpo já foi motivo de constrangimento e vergonha, formas sutis de violência. E, às vezes, esses sentimentos me visitam. Nesses momentos, a Laura de hoje precisa ficar esperta para quebrar o automático e, em vez de entrar no ciclo de violência, escolher um caminho novo: o da autocompaixão. Eu pego a Laurinha do passado, coloco no colo e abraço. Repito para mim mesma: Eu posso cuidar de mim e ser do meu tamanho. Eu posso ser grandona no sentido literal e não literal. Eu posso ser amada e respeitada como eu sou. Eu posso me amar e me respeitar como eu sou. Porque amar o meu corpo é também um ato de coragem.
- O que você precisa?
Se para Freud a culpa é da nossa mãe, para os analistas do comportamento, a responsabilidade está na nossa história de aprendizagem. E adivinhe? Nossa mãe faz parte dessa história de aprendizagem. Esta é uma história sobre a minha mãe e eu. Minha mãe é aquela pessoa que está sempre fazendo alguma coisa. Ela foi professora, é rápida, sagaz, esperta, domina a arte do improviso e é PHD em dar um jeitinho. Ela pinta, costura, constrói, é ótima com plantas e animais. A única coisa que ela está aprendendo é a ser calma. Para ela, só escutar nunca parece o bastante, sempre precisa achar uma solução para todos os problemas do mundo. Um dia, eu estava reclamando das peripécias do Oliver, meu cachorro, que no auge da destruição das coisas, ainda não tinha um ano de vida. Eu reclamei sem parar. Já esperava ouvir um “eu avisei”, seguido por um discurso sobre por que eu não deveria ter adotado um cachorro vira-lata sem saber o tamanho que ele ficaria, morando em um apartamento pequeno. Esperei pela sensação de incompetência porque tinha certeza de que ela iria dizer que eu não daria conta de cuidar dele. Já me preparava para me defender e reafirmar o quanto meu cachorro é importante para mim. Eis que ela parou o que estava fazendo, depois de me ouvir reclamar, e disse: "O que você precisa?" Estranhei. Houve um silêncio de alguns segundos. Cadê as réplicas, as soluções, as críticas? Então me lembrei e falei: "Você está usando a comunicação não violenta!" Ela respondeu animada: "É! Fiquei orgulhosa de mim!" E foi mesmo um motivo de admiração! Ela participa de um grupo de estudos sobre temas de autodesenvolvimento e estavam explorando a comunicação não violenta (CNV). E eu já fiz e ministrei cursos e palestras sobre CNV. Às vezes, a gente esquece que tem uma ferramenta poderosa para lidar com os desafios da vida. Na CNV, somos convidados a observar nossos sentimentos e necessidades com atenção e curiosidade. Os sentimentos são mensageiros e aparecem quando há uma necessidade a ser atendida. Quando identificamos essa necessidade, somos capazes de buscar caminhos saudáveis para supri-la. Por trás da minha reclamação, havia uma necessidade esperando para ser descoberta. Quando ela me perguntou o que eu precisava , tive uma sensação de vazio na mente. O fluxo de pensamentos de reclamação e de defesa dos meus argumentos cessou. A princípio, pensei que precisava apenas reclamar mesmo, porque estava cansada da sobrecarga. E então percebi que eu estava cansada . Eu disse a ela, e conversamos sobre isso. Foi um dia que guardo com carinho no coração. Houve primeiro uma conexão , e depois uma solução . E você, do que você precisa hoje? . . . Laura Borelli Psicóloga CRP 06/103841 Mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem Especialista em Terapia de Aceitação e Compromisso . Publicação autorizada pela senhora minha mãe. Publicado em 11 de junho de 2025.
- Além da Armadura: Reflexões Sobre Vulnerabilidade e Crescimento
Cada um aprende a viver como pode no mundo que habita. Escuto muitas histórias de enfrentamento, de dor, de desconforto, e fico curiosa para saber como aquela pessoa se tornou ela mesma. Em que mundo ela precisou viver para desenvolver a armadura que a protege? Quem estava lá quando ela precisou? Ela pôde pedir ajuda quando esteve em perigo? Ela foi vista, ouvida? Perguntaram como ela estava se sentindo? Há histórias emocionantes que até parecem de heróis, vilões, guerreiros, vítimas, bandidos e corações partidos ou roubados. São histórias de gente que sente e que, às vezes, aprende a não sentir. Aprende a evitar, fugir, esquivar, ignorar. Gente que vai à luta sem saber ao certo por quem ou para quê. Benditas armaduras que nos mantêm vivos. Mas só quem já vestiu uma sabe o peso e o preço que tem. Sabe o quanto é desgastante viver em alerta e não saber se a armadura será suficiente para proteger da vida. Em algum momento, o peso aumenta, a mobilidade se reduz e as juntas se enferrujam. Não dá para dobrar, torcer e esticar. É só rigidez. E como isso dói. Mas como é a vida sem a armadura que custou tão caro? A vida vai além da caverna de Platão, é cheia de possibilidades, mas também cheia de riscos. A parte mais difícil de uma escolha normalmente é deixar ir aquilo que perdemos. Mas, se o ganho valer a pena, dá para desapegar. E se hoje existir alguém que te veja com suas potencialidades? Que segure sua mão quando você precisar de ajuda? Que irá te ver e escutar? E se o mundo que te fez colocar a armadura estiver diferente agora? Para se despir da armadura, é preciso correr o risco de confiar. Em si ou no mundo. Pode ser necessário tempo, paciência e uma boa dose de esperança para acreditar que há possibilidades de viver além do sobreviver, com leveza e presença. Aos poucos, dá para dobrar, torcer e esticar de novo. Tomar sol e chuva sem medo de enferrujar. Correr, brincar, dançar e até abraçar. E então, finalmente, não será preciso ser herói, vilão, guerreiro, vítima ou bandido na história de ninguém. Será apenas poder ser e sentir. Aqui e agora. . . . Laura Borelli Psicóloga CRP 06/103841 Mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem Especialista em Terapia de Aceitação e Compromisso . Publicado em 10 de junho de 2025.
- Atravessando a neblina
"Eu sinto como se houvesse uma névoa à minha frente." A falta de controle, o desconhecido. Refleti por um instante e perguntei: — Você já dirigiu na neblina? — Sim, é horrível! — Pois é, não pode parar na estrada, nem ligar a luz alta... É preciso diminuir a velocidade, ter paciência. — Uau. Eu trouxe a solução para meu próprio problema. E rimos. A Terapia de Aceitação e Compromisso tem um carinho especial pelas metáforas. É lindo quando uma metáfora nasce na relação terapêutica, cresce e ganha um significado único. Neste caso, “dirigir na neblina” significa seguir em frente sem enxergar com clareza o caminho . Sem previsibilidade, sem garantias. Já “estacionar na estrada” representa a paralisia diante do desafio ou mesmo a tentativa de fuga. Quando não sabemos o que fazer, buscamos sair da situação desconfortável, mesmo sem ter certeza de como faremos isso e do que isso realmente significa. A estratégia de “ligar a luz alta” pode parecer útil em alguns contextos, mas pode prejudicar a visibilidade em outros. Já o farol de neblina, específico para esse cenário, ilumina o próximo passo , não o fim da jornada nem a solução do problema. Diminuir a velocidade e ter paciência pode parecer incompatível com a ansiedade da situação. Queremos resolver rápido, chegar logo. Mas acelerar pode aumentar o risco. A conexão com o momento presente ajuda no desenvolvimento da paciência, que nada mais é do que respeitar o tempo das coisas e, sobretudo, daquilo que não controlamos. Eu não posso dissipar a neblina diante de mim. Mas posso atravessá-la com calma e atenção. Posso respirar fundo e colocar uma música agradável no carro. Posso me lembrar que estou dentro de um fenômeno natural, feito de minúsculas gotículas de água, como se estivesse dentro de uma nuvem. Posso observar minhas sensações, validar e acolher meu desconforto. E ter coragem de seguir em frente devagar , mesmo sem muita clareza do que está por vir, aberta às experiências. Em algum momento, irá clarear. Veja só... Clareou. . . . Laura Borelli Psicóloga CRP 06/103854 Mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem Especialista em Terapia de Aceitação e Compromisso . Texto publicado em 11 de junho de 2025.